A nona: sobre minha avó
Eu vi minha avó morrer. Foi uma das coisas mais belas que já presenciei.
Vovó Alzira era minha pessoa preferida no mundo. Mãe do meu pai, a gente ficou próxima quando eu já era mais velha. Morei com ela quando voltei pra São Paulo pra fazer cursinho até o meio da faculdade - eu saía de casa às 5h da manhã e ela ficava na janela me olhando. Quando me perdia de vista, ligava pro porteiro e pedia pra ele dizer onde eu tava! Fazia minhas comidas preferidas, lavava minhas roupas, deixava bilhetinho pra eu ler quando levantasse. Eu fazia pipoca de jantar, dava vinho, comprava doce e ajudava ela a esconder.
Era pra mim que ela ligava pra pedir companhia nos exames e nos médicos, e eu sempre ia. Falava com o pessoal pra cuidar bem dela, ajudava nos exames, explicava o que o médico disse. Nunca senti que era um peso ou uma obrigação.
Depois que saí da casa dela, ligava pra ela todos os dias e almoçava lá, no mínimo, uma vez por semana. A comida dela era a melhor do mundo! Ela dizia que podia fazer pedra que eu ia elogiar, e ia mesmo. No começo, ela estranhava quando eu elogiava a comida e falava “eu te amo”. Acho que não tava acostumada a ouvir essas coisas. Com o tempo, ela foi se soltando e me falava sempre, todo dia, que me amava <3.
Na pandemia, eu parava na janela do apartamento dela, ligava e pedia pra ela ir pra janela. Aí a gente ficava conversando, ela me ajudou com meu coração partido, com as crises de trabalho, com tanta coisa que nem sei se ela sabe…. espero que sim. Era pra ela que eu queria contar as novidades e pra quem eu sempre pedia colo.
Quando ela caiu e ficou de cama, fui eu que a convenci a dormir na cama hospitalar. Eu que consegui que ela fosse pra cadeira de rodas, pra me fazer companhia enquanto eu almoçava. Depois, quando ela piorou e foi pra casa de repouso, eu ia lá toda semana. Ela me contava que a comida era horrível, que as enfermeiras eram chatas e que ela fingia que tava bem (ps: não era horrível, as meninas eram todas muito fofas e ela era super bem tratada). Com o tempo, ela foi ficando menos presente, menos responsiva, mas mesmo assim eu tava lá, contando do trabalho novo no studio de yoga, de como finalmente tava feliz no trabalho. Segui conversando com ela até o final.
Nos últimos dias, ela foi para um hospital de cuidados paliativos. Sempre me lembro da minha primeira impressão quando entrei lá: nossa, que lugar especial. O quarto era amplo, tinha uma janela que dava pra uma árvore linda e o objetivo era não deixar a vovó sentir dor.
Eu tava saindo do banho quando minha irmã me disse que meu pai ligou, e era pra gente ir pro hospital, o fim tava chegando. Fomos e eu não saí do lado dela, saía só quando alguém queria um tempinho pra conversar, mas eu logo voltava pra minha poltrona, pegava a mãozinha dela e lá fiquei. À noite, o médico recomendou que a gente fosse pra casa, qualquer coisa ele ligava. Sabe, minha avó era muito teimosa. Tão teimosa que não aceitava que era teimosa (é de família…). Nesse momento, eu abri um berreiro com forças que não sei da onde e disse que de lá ninguém me tirava. Me recusei a deixar a vovó fazer a passagem sozinha. Em 5 minutos, a respiração dela foi acalmando, ficando mais lenta, até que veio a última. Ela descansou. Cuidou de mim até o final: viu que quem sai aos seus não degenera, que a teimosia era muita e não deixou que eu dormisse na poltrona do quarto.
Eu sou tão grata a ela por ter deixado que eu ficasse até o último momento, segurando sua mão. Ela nunca me deixou sentir que eu estava sozinha e fico feliz que eu também não deixei.
Vovó Alzira é a inspiração pra eu trabalhar com idosos, é a razão pra eu ter tanto carinho pelos cuidados paliativos. Meu anjinho preferido, que tenho certeza que alguma coisa a ver com eu ter conhecido o Arthur - mas isso fica pra outra hora.
Termino dizendo que poder conviver com os avós é muito, muito, muito valioso. Que sorte que eu tenho!
Com carinho,
Lola